Transcrição de áudio
Entrevista de Estela Sandrini para a Exposição Belos Caminhos em 2021 – Turma de Museologia – EMBAP/UNESPAR.
Não conheci o [Frederico] Lange de Morretes, conheço as obras.
Existe dentro do Clube Curitibano uma das obras mais importantes do Lange que é Cataratas, é de uma beleza extrema. Extrema beleza.
Eu gosto de contar uma história, que eu acho muito interessante:
Meu pai era um jornalista, que escrevia sobre a Arte, o nome dele era José Ernesto Erichsen Pereira. E havia uma exposição no Clube Curitibano; as Exposições dos anos 50 eram dentro de Clubes e era assim. Não existe curadoria, não existia nada, eram amontoados nas paredes. E alguns artistas faziam exposições dentro dos clubes, e o Clube Curitibano era na rua XV [de Novembro]. E era muito bonito, o clube inteiro era com quadros. O [Clube] Thalia tem uma acervo belíssimo também de quadros.
E meu pai foi convidado para ver uma exposição, desse artista, e na saída o artista muito delicado perguntou a minha mãe – "Qual é o quadro que a senhora mais gostou?" – meu pai ficou todo faceiro e disse "Olha, vou ganhar um quadro!", e daí ela disse – "Aquele lá!" – e mostrou o do Lange de Morretes, era o único que não era do artista. Ele chamou a atenção, ele é um quadro que acho que… ali o Lange mostrou porque que ele era um pintor.
Os outros quadros vocês conhecem um que está aí na escola, aquele nu. O nu. Ele faz parte da Escola de Belas Artes e a gente, como era muito adolescente muito bobo né, naquela época, achava aquele nu assim exposto, assim de frente mesmo, uma coisa assim meio estranha, mas a gente ria muito daquilo e fazia comparações. E é um quadro que é o nu, que tá na praia né. E que foi restaurado pelo Allan [Hanke] e foi um trabalho até de tese do Allan.
E o que eu queria contar para vocês que o Lange, recente há 3 anos atrás, a família Lange falou que teria uma grande coleção dele em São Paulo, e o pessoal do Museu de Arte do Paraná, pesquisadores, que eram e são muito bons pesquisadores, foram e trouxeram uma coleção muito importante do Lange.
Mas um fato que me chama atenção do Lange, era uma história que contavam, porque a gente… antes era muito a história falada né, esses documentos eram poucos, o [Theodoro] De Bona escreveu um livro só [Curitiba] Pequena Montparnasse, era um... existia muito poucos historiadores na História da Arte porque era uma província. Quando eu estudava na escola de Belas Artes tinha 150 mil habitantes em Curitiba. Nós íamos pintar no Passeio Público de salto alto e saia justa e meia de nylon, porque ninguém usava calça comprida.
E outra coisa que eu ia falar para vocês é que o Lange de Morretes, ele disse que ele ia morrer naquela data, e falou a data, e ele morreu. E todos acharam que ele tinha se suicidado, fizeram exames e tudo. Ele não suicidou. Ele morreu mesmo daquela data, e era uma coisa assim que nos marcou muito.
Quanto à Professora Leonor Botteri, eu tenho muita coisa para contar, porque ela foi minha professora. Era uma senhora bem discreta né, ela chegava assim com o cabelinho amarrado atrás, uma saia justa e uma camisa. E sempre com a filha, para todos os lados. E dava aula muitas vezes com a filha do lado desenhado.
E nas aulas dela era natureza morta. Mas não existia muita criatividade na natureza morta. Era o mesmo jarro marrom, que eu desenhei e pintei um monte daquele mesmo vazo. Umas frutas de plástico, que não traziam nenhuma inspiração. E um pano, que era sempre o mesmo pano, para a gente saber desenhar, saber pintar panos. E uma aquarela muito cinza,... aquarela não, uma palheta muito cinza.
Então nossos quadros com a professora Botteri era muito do azul ao cinza, e o máximo vermelho daquela maça de plástico. Mas ela tinha uma coisa que era muito interessante, ela era muito culta né, uma mulher muito culta. E então ela contava sobre literatura, falava muito sobre ópera.
O que nós aproveitávamos muito na Escola de Belas Artes era o contato com o professor. O professor ficava na sala o tempo todo com a gente, trabalhando e conversando, e contando história, e contando história do Paraná. E isso foi muito gratificante.
A professora Botteri fez uma exposição lindíssima no museu Oscar Niemeyer, onde a gente viu vários retratos da filha em que ela era a modelo dela.
E ela tinha uma força muito grande em retrato. Tem retratos por exemplo no museu da Federal [UFPR], dela que é belíssimo.
Tanto que tem um retrato do Raul Cruz, que o Raul Cruz fez dela.
Eu nunca desenhei a professora Leonor Botteri. Eu desenhei o De Bona. O professor De Bona, o professor [Fernando] Calderari, desenhei muitos professores, mas ela eu nunca desenhei. Ela era uma mulher muito discreta, muito fechada. E parecia mais velha do que o seu tempo, mas eu gostava muito da professora Botteri e senti não conhecer o Lange de Morretes, que era um grande paisagista.